Criticaria

Um compêndio de crítica literária dedicado aos volumes esquecidos, inusitados, famigerados ou obliterados de bibliografias oficiais, encontrados em minha viagem de dois anos por cinco continentes.

9.3.05

Ammorbidente, de Amara Amberlini (Itália, 2004)

Desta vez, um livro italiano interessante, curioso, bom e, é claro, de uma ilustre desconhecida. É impressionante, por vezes, constatar a existência de tantas obras boas e praticamente desconhecidas do grande público. No Brasil é assim, na Itália também é. Na verdade, estas obras se escondem por conta da falta de investimento genuíno, sem qualquer interesse, por parte de grandes conglomerados editoriais. Culpa, também, das distribuidoras de livros, verdadeiras sanguessugas dos intelectos, que atuam com a conivência editorial e encarecem o preço de um produto que deveria ser vendido a preços populares para que, justamente, o povo pudesse ter acesso, ampliando o público leitor e, conseqüentemente, ampliando vendas, o que implicaria em redução de custos e mais leitores ainda. Acredite, a Europa toda tem seus exemplos de cegueira. Mas lá, ao contrário, não existe o preconceito contra edições de bolso. Muitos autores conseguem se projetar – ou tentar – deste modo. As edicole podem não ter muito espaço, mas, dependendo do gênero literário, as portas estão abertas. A ficção científica, o suspense, o terror e, notadamente, o gênero policial estão presentes de modo firme pelas bancas de revista e revistarias da Bota. É disfarçado de giallo que se encontra o intrigante livro de Amara Amberlini.
Não há registro dela pela internet. Até onde sei, pode inclusive ser um pseudônimo (prática comum em todos os países que publicam literatura barata). Não me importa. Para mim, o que capturou a atenção não foi a biografia do autor, mas, sim, o modo como a trama é conduzida. Começa, enfim, com um assassinato. Um homem, de 50 anos, é encontrado morto defronte a um prédio em Roma. Não era onde o corpo, em vida, morava. Por vinte páginas, se é induzido a acreditar que estamos acompanhado a história de se desvendar esta morte estranha. Mas não. Logo após a equipe de legistas sair do prédio, o foco continua no edifício. E lá se concentraria por toda a trama.
Não quero com isso dizer que a história é sobre os moradores do prédio e seus estranhos motivos. Nada disso. Também são os moradores um acessório para que se conte a história do prédio. Para isso, Amberlini se utiliza de vários flashbacks, de modo que, em princípio, é dífícil se localizar temporalmente. Mas ela dá toques – sutis, mas eficientes – que permitem que o leitor não se perca. E, assim, descobrimos que o prédio possui uma história aterradora, tendo, em sua composição, inclusive corpos de construtores mortos durando o erigir da construção. E que a combinação destas almas, espíritos ou personalidades conferem a cada parede daquele lugar propriedades maléficas. Que, com o passar dos anos, afetam os personagens que passam por ali: uma dona-de-casa recém-separada, um ex-policial, um carabinieri, uma assistente social, um cantor lírico em começo de carreira, um padeiro e um pedreiro, este último um dos que ajudaram a levantar o antigo espigão e fio condutor do livro de Amara.
A idéia, em si, não é nova. De modo mais lírico, o estadunidense Will Eisner a utilizou numa edição especial intitulada The Building: a graphic novel about the life and death of a city building (publicada no Brasil em fevereiro de 1989 pela Editora Abril). No entanto, na história de Eisner, narrador gráfico morto no último dia 3 de janeiro, o desfecho é bem mais poético que na pequena narrativa tétrica e de palavras fortes de Amberlini, que termina de modo mordaz e irônico: o edifício (sem nome citado na história, mas que, por uma dica de personagem, aparentemente se chama Giovanni Bruno) induz alguns moradores a iniciarem um incêndio que, em pouco tempo, não deixa qualquer sobrevivente, apesar de deixar praticamente intacta a estrutura forte do prédio. O título, Ammorbidente, obviamente é sarcástico, pois nada há de amaciante, de suavizante no livro: as histórias de amor não vingam, os empregos não permitem ascensão ou inexistem, os corações se endurecem e a paranóia impera. O único final feliz (e a que preço) só poderia ser o do edifício, já que, com o incêndio, reformas serão necessárias. E reformas implicam em novos homens, novas mortes e, com sorte, uma nova gama de inquilinos. Tudo para satisfazer o espírito de vingança dos seus ex-moradores, que agora são o edifício – um espírito similar ao dos veteranos de faculdades nos anos 70, 80 e 90, que, quando calouros, sofriam com os próprios veteranos e, por isso, precisavam imputar em novos calouros as mesmas penas, se não maiores.
Para não ter pesadelos à noite, leia numa casa, na praia ou num campo descoberto.

6.3.05

Törvénytisztelet, de Hanna Madai (Hungria, 2003)

Um dos livros mais novos de minha coleção, representando a nova literatura húngara. Esqueça o livro do Chico Buarque (que não é ruim, apenas dissonante com a recente efervescência literária magiar) e atenha-se à seguinte informação: Paulo Coelho, hoje, é o autor mais vendido por aquelas bandas. Não estou brincando nem um pouco: o homem está à frente de Salman Rushdie, que virá ao Brasil em julho para divulgar suas obras. Dois estrangeiros entre os mais vendidos? Não se deixe enganar tão facilmente, existe ebulição por ali.
Autores novíssimos, como o bom Péter Nádas, vêm abrindo a porteira antigamente escondida pela Cortina de Ferro. É o caso, também, de Hanna Madai. Em comum aos dois autores, a temática. O livro de Péter, Saját halál (Experiência pessoal de morte), conta a história de um grande escritor após a sua morte. Já o livro de Madai, Törvénytisztelet (palavrão que quer dizer, apenas, medo), relata o pavor de uma atriz que, recuperada de um acidente no qual teve o cérebro lesionado, começa a deixar de perceber a luz, sendo introduzida a um cotidiano sombrio e tétrico. Falemos mais sobre esta experiência.
O que poderia ser um exercício de realismo fantástico, surpreendentemente, é tornado uma história com a qual um leitor mediano pode sinceramente se identificar. A fatalidade que ocorre com Anja (leia-se Ânia), um absurdo – uma lâmina de guilhotina cai de um prédio justamente na hora em que ela estava passando na calçada, ouvindo o CD Gran Turismo, dos suecos do Cardigans –, é a única coisa mais incomum. E, ainda assim, justamente este fato é verossímil. Ou, ao menos, é o que a autora quer que pensemos quando dedica a obra a sua amiga de infância, também chamada Anja.
O fato é que somos jogados na ação, sempre cronologicamente, mas não se perde muito tempo entre o acidente e o início da exuberante situação da atriz. Quero reforçar isso, percebam: não é como se ela estivesse ficando cega. Ela realmente perde a percepção que possuía da luminosidade. Pense, por exemplo, no monitor de vídeo no qual você está lendo isso. Diminua totalmente o brilho do mesmo. Fez? Agora diminua, lentamente, o contraste. Repara na sutil diferença? O mundo dela continua visível, cada vez menos, mas o fato é que se torna sombrio. O que faz com que sua percepção acerca das pessoas também seja influenciada por isso. Uma cena linda, por sua tristeza, é quando ela percebe que Sándor, seu namorado, que radiava à luz do sol, agora parece tão belo quanto um vaso antigo – e tão empolgante quanto.
Imagine, então, quando ela começa a reparar que o lado negro de cada pessoa, sempre disfarçado por máscaras sociais, maquiagens e por sorrisos à luz do dia, agora aflora violentamente. Pois, à medida que o brilho some, a nitidez de tudo se torna impressionante. Quase como se tivesse o aguçado olhar de uma ave de caça. Todos, das pessoas na rua aos amigos e empregadores do set de filmagem de seu novo filme (homônimo ao título do livro), se tornam, aos olhos de Anja, insuportavelmente temíveis. E o filme, que continua a ser rodado, torna-se a melhor experiência de fuga para ela, que é a protagonista. Na película, Anja é Monika, que se vê acuada num quarto do qual nunca sai, sendo alimentada sempre por enfermeiros diferentes e tratada, a cada dia, como se fosse uma pessoa diferente. Mas é tamanha a paranóia real na mente de Anja que, a cada dia de filmagem, a situação de sua personagem lhe parece dar tão pouco medo que, aos poucos, ela percebe que a única alegria que ainda possui é interpretar o medo de mentira e sem verossimilhança de Monika. Pois, quando as filmagens acabarem, Anja saberá que a única coisa que a espera é o verdadeiro medo.
Um belíssimo livro de terror psicológico, com poucos personagens, 224 páginas impressas competentemente e um inesperado autógrafo da autora, natural de Budapeste e que me abordou quando eu lia tranqüilo seu livro em uma pequena praça da cidade, no último mês de junho. A Hungria, meus caros, pode ser surpreendente. Garanto.

25.1.05

La muerte de Angelita Martel, de Honorio Bustos-Domecq (Chile, 1947)

Não é raro um autor se proteger sob um pseudônimo. Mas dois ao mesmo tempo? Só podia ser coisa de dois argentinos -- platinos geniais, diga-se: Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Eles criaram para si a persona de Honorio Bustos-Domecq, sobre quem Borges discorre: "Con Bioy Casares ocurrió algo misterioso: lo que escribe Bustos-Domecq no nos gusta a ninguno de los dos. Pero surge ese tercer hombre y nos obliga a escribir. Y escribimos contra nuestra voluntad. No nos hacen gracia los chistes, nos desagrada el estilo; pero estamos obligados por ese personaje misterioso que engendramos entre los dos. A mí no me gusta lo que escribe; Bioy Casares creo que se resigna más fácilmene que yo, pero tampoco le gusta mucho. Nosotros, por cuenta nuesra, no escribimos en ese estilo, ciertamente. Así que hemos logrado eso. Hemos logrado que surja un tercer hombre y se encargue de la obra". Chega a ser uma surpresa perceber que, realmente, os estilos dos dois mestres da literatura do cone sul não estejam marcantes e quase deixam de estar presentes nas obras de Bustos-Domecq.
Há pouquíssimos livros publicados, mas um deles, publicado realmente à revelia de Borges e Casares, surgiu numa edição de relativo sucesso no Chile, certamente embalado pela publicação de Seis casos para don Isidro Parodi. Até o fim de suas vidas, os dois escritores negaram que La muerte de Angelita Martel tivesse sido escrito por eles. Se for mentira, a declaração de 1982 de Borges, citada acima, só poderia ser referente a este caso, ocorrido há 55 anos e que fez com que, numa batalha judicial, o livro nunca mais pudesse ver a luz dos leitores. Um livreiro de Santiago, no entanto, me conseguiu (na verdade, foi uma troca dolorosa: este livro pelo meu querido compêndio da revista modernista Klaxon) uma edição, bem estragada, mas muito legível.
Novamente nos encontramos com o habitante da cela 273, don Isidro Parodi. Desta vez, ele é importunado por um funcionário do governo, Ramon Ramoneda, que, a despeito de seu nome patético, veio falar-lhe sobre a morte de sua noiva, Angelita Martel. O fato ainda não ocorrera, o que levou Ramon a solicitar o auxílio do seco homem detido há anos na Penitenciária da Zona Norte. Angelita estava sendo ameaçada por telegramas cifrados, contendo, cada qual, uma pista sobre como será sua morte. Como Ramon trabalhasse no governo, obviamente ele foi solícito para salvar a vida de sua amada. Já tinham chegado três telegramas, cada qual com pistas que não se encaixavam. Mas foram suficientes para dar um norte a Ramon. Que, infelizmente, descobriu que sua casta noiva, além de nada casta, possuía uma queda por cantores de tango e bebidas fortes.
O resignado Ramon, ainda assim, a cada telegrama, foi pedir a intromissão de don Isidro, que, cada vez menos paciente, decifrava e elucidava mais uma pista. Parodi se irritava por saber que, a cada vez, Ramon apenas queria o aval do que ele próprio já pensava e deduzia. Tanto que, ao final, o conselho do condenado foi um simples "És un caso de vivir o morir. Un caso de tuya sensatez." que levou, claro, à morte de Angelina Martel, graças à desistência de Ramon, não apenas de investigar, mas de insistir naquele amor tolo e fútil.
O livro foge às características do livro anterior que trazia o personagem don Isidro Padron: é uma história mais longa, dividida em 10 momentos, bem mais extensa que as seis histórias curtas do volume de 1942 da editora argentina Sur. Porém, é escrita sem requintes e com referências duras, tal qual Casares e Borges conceberam como estilo. Quem escreveu esta história, se a dupla famosa ou outro, pouco importa hoje. É uma boa aventura, leitura saudável, que, por toda esta confusão, pode inclusive ter antecipado (ainda que não influenciado) o surgimento das entidades genéricas e universais no universo escrito, como o são Luther Blissett e Wu Ming: um nome uno para uma entidade coletiva, sem donos ou direitos assegurados.

23.1.05

Pět cizinci, de Miguela Kužmova (Tchecoslováquia, 1981)

Antes que vocês me digam que eu sou um expert em línguas ou duvidem de minha boa-fé crítica, saibam que, apesar do amor que sinto por obras de Franz Kafka e Karel Čapek, infelizmente eu não sei ler tcheco. Para isto eu dependo da boa vontade de alguns amigos, que me traduzem informalmente e, assim, lêem comigo cada um dos poucos volumes que tenho nesta língua. Possuo apenas dois livros dignos de nota para esta Criticaria, sendo um deles a obra aqui em questão, de Miguela Kužmova, nascida em Brno e tragicamente morta num bombardeio à cidade de Sarajevo, cidade na qual prestava serviços humanitários em nome de uma organização não-governamental. Aliás, este espírito se percebe nesta sua obra de 1981 (a edição em minhas mãos, independente, é a segunda, de 1984).
A história, um conto sombrio ambientado na cidade bohemia de Beroun, a meio caminho de Praga e Pizeň. A bem da verdade, a história se passa num grande hotel, nominado Plaza (que não existe na Beroun real aos olhos de todos), situado no limite de município. Eu creio que me falte um estudo mais acurado da geografia tcheca, mas, se eu não me engano, fica numa cadeia de montanhas. Devo confessar que eu não fiquei mais que cinco dias em Praga. Então, algo realmente se perde por uma mínima falta de referências. Para a sorte da literatura, no entanto, estes dados acessórios não são relevantes na trama de Kužmova.
A personagem principal é uma recepcionista recém-contratada chamada Ludmila Sediva. Ela é fã de literatura de suspense, especialmente Stephen King. Durante todo o livro, Ludmila está relendo The Shining (assim mesmo, em inglês -- mesmo porque a versão tcheca, Osvícení, só foi lançada em 1993) e se embrenhando no clima de terror da história que lê. Ao mesmo tempo, exerce sua função de recepcionista de um hotel com pelo menos 20 pessoas hospedadas e mais, pelo menos, outros vinte funcionários. Isso sem contar os cinco estranhos do título (sim, é isto que o título significa). Ela os vê, sempre interagindo com algum ou alguns dos outros moradores ou funcionários do Plaza, geralmente fazendo, ao final da interação, algo estranho, como pondo a mão na cabeça de alguém que vai ficar, horas depois, com enxaqueca, ou ainda dando um beijo numa garota que, em seguida, vai ter um ataque de asma.
A paranóia de Ludmila começa quando seu namorado, Jan, é trespassado por um destes estranhos, para, em seguida, falecer subitamente no lobby do hotel. Ela começa a imaginar que o livro que está lendo pode ajudá-la, de algum modo, a resolver esta situação e dar um jeito nos atos dos cinco estranhos. Sua luta é solitária, apesar da boa vontade de Zdenek, que é apaixonado por ela desde a escola, mas nunca teve seu amor correspondido. O homem, apesar de não enxergar o que Ludmila vê, faz um esforço tremendo para acreditar na veracidade do que ela diz, numa prova de amor gigantesca para ele. Mas Zdenek tenta se enganar: no fundo, ele também crê que Ludmila ficou louca e que, na verdade, de algum modo, é ela quem tem matado as pessoas sem deixar pistas -- a esta altura do romance, três pessoas já tinham morrido em circunsâncias estranhas.
As mortes vão se acelerando e, aos poucos, todos morrem. Uma coisa que parece estranha é que o livro, narrado totalmente em tempo psicológico, parece fraco, numa primeira impressão e até exatamente este ponto, em não explicar porque é que o hotel não foi simplesmente fechado ou por que motivo os outros hóspedes não saíram correndo de lá. Mas, como eu disse no começo, o Plaza não existe na Beroun real para todos, mas, sim, apenas para algumas pessoas. Estas pessoas são os sobreviventes de um acidente entre dois ônibus, um fretado e outro da empresa Plaza (no qual Ludmila havia acabado de embarcar).
Entenderam? Estas pessoas estavam conectadas numa espécie de inconsciente coletivo em microescala, criando a persona do hotel para que pudessem, em suas mentes desconectadas, agir. Uma espécie de ambiente de cura. Os cinco estranhos nada mais são do que a equipe médica designada para salvar a vida dos 43 passageiros. Porém, por algum motivo, Ludmila foi menos suscetível a esta sugestão do que os outros, de modo que sua percepção estava completamente sensível aos médicos, que, ainda assim, não conseguiam de jeito nenhum reaminar a jovem.
O climax do livro acontece próximo ao final, quando a pobre heroína crê que a destruição dos cinco é a saída. Imaginando serem eles espíritos ligados ao hotel, arquiteta um plano para destruir a construção e se libertar. Os cinco tentam, de todas as formas, impedir que ela execute tal ação. No mundo real, isso equivale dizer que os médicos estavam perdendo a batalha para salvar a jovem.
Ao final, ela destrói o hotel e consegue, enfim, eliminar de sua vista os estranhos. Porém, está sem hotel e sem dinheiro (visto que ainda não tinham lhe pago o salário). Largada à sorte em pleno inverno, sem ninguém que a pudesse acolher, Ludmila caminha em direção às montanhas, para um caminho branco sem fim e a sua verdadeira morte. Ou sorte.
Sem muitas palavras: ou o amigo que me traduziu era muito bom ou Miguela, se tivesse tido mais tempo, teria se tornado uma das grandes escritoras tchecas da atualidade. Em minha nada modesta opinião.

21.1.05

Posto Espacial Cabral, de Severiano Paes de Coimbra (Portugal, 1955)

A atmosfera naïf e o inusitado achado de um livro português de ficção científica me fizeram a delícia do mês que passei em Portugal, no ano de 2003. O livro foi encontrado num alfarrábio (que é como eles chamam os sebos na terrinha) da cidade de Coimbra, chamado Livraria Alfarrabista Miguel Carvalho, se minha memória não estiver me pregando uma peça. Um item que me saiu bem caro (€ 19,00), mas valeu cada minuto de diversão que tive. Um título que, no entanto, foi completamente eliminado da história oficial da Portugália Editora, casa que publicou este seu volume de ficção científica, estilo que nunca fez parte da postura editorial da mesma. Quando entrei em contato para conseguir maiores informações, recebi a resposta de que nunca tinham publicado nenhum livro com este nome, muito menos de tal autor. Mas o fato é que o livro, já no mesmo estilo gráfico que consagraria, poucos anos depois, o livro Aparição, de Vergílio Ferreira, continha, em fonte tipo futura, o nome da casa editorial, numa capa certamente inovadora para a época.
Entende-se, no entanto, o motivo pelo qual Posto Espacial Cabral é desconsiderado, inclusive, pela crítica lusitana. Não se possui um só registro digno de nota de autores lusos tradicionais de ficção científica. A incompreensão, maior inimiga dos escritores que pensam além, certamente vitimou Paes de Coimbra e legou a ele o triste fardo do esquecimento. E, já que ninguém resgatou seu texto inteligente e galhofeiro, eis-me aqui a fazer isto. Devo começar dizendo que, sem dúvida nenhuma, o autor devia ter um espírito jovem e aventureiro, além de, provavelmente, não morar em sua terra natal, mas, sim, nos Estados Unidos ou Inglaterra. Isto se deduz por várias passagens parecerem se remeter a seriados como Tom Corbett - Space Cadet, Captain Video, Space Patrol, Rod Brown of the Rocket Rangers, Atom Squad, Rocky Jones - Space Ranger e, inclusive, o famigerado Commando Cody - Sky Marshall of the Universe. As referências são muito claras. Há um detalhe, no entanto, que une todas estas séries antigas de televisão: todas foram canceladas entre 1954 e 1955, numa verdadeira caça às bruxas espacial que apenas 10 anos depois, com o advento de Lost in Space, viria a sumir. Somado ao clima de perseguição existente também na vida prática, com o chamado macarthismo em vigência, certamente foram os dois maiores fatores que influenciaram Severiano Paes de Coimbra a escrever sua obra, quase um compêndio da inocência ficcional da tevê daqueles tempos e seu reflexo na população leiga daqueles longínqüos anos 50. Tudo isso, no entanto, com um humor que não era habitual à época.
Após esta longa introdução, o livro em si. Ele narra as aventuras dos habitantes do Posto Espacial Cabral, que possui exatamente nove moradores: oito frentistas e o proprietário do posto, Sr. Quincas. Pensou que fosse uma estação espacial? Pois o título se refere mesmo a um posto de combustível espacial, o único além de Júpiter, que abastecia todos os tipos de naves, culturas e tipos de propulsão. A ação começa quando, após rápidas apresentações (e um clima de pouco movimento no posto, que me lembrou muito uma antiga campanha dos Postos São Paulo cujo slogan era uma paródia do da Esso), o foguete do Comodoro Cauby, Marmelão do Universo Espacial, chega ao posto informando que a Terra está em guerra com uma nova raça alienígena e que o Posto Espacial Cabral, a partir daquele momento, tinha o desígnio de também espionar toda e qualquer nave que lá chegasse.
E, assim, os meros frentistas galácticos se envolveram em aventuras que iam desde amazonas netunianas interessadas em sugar os glóbulos brancos dos terráqueos que viviam em Marte até conter a invasão de miniaturas de lendas do folclore português a uma caneca cheia de café, que para os invasores era como ouro negro. Desventuras tresloucadas, vividas pelos personagens Pingo (o negro), Macau (o asiático), Jocá (o mulherengo), Pinto (o triste), Querubim (o doido), Bordalo (o trabalhador), Quintana (o sonhador) e Bó (o jogador). Um sem-número de situações é criada e o posto se torna, cada vez mais, um pandemônio. Até o momento em que o Cadete Cósmico Antônio Corvetta chegue e anuncie o fim da guerra e a normalidade. Que parece ser um alívio, mas que faz o livro terminar com um grande gancho para uma série, visto que, nas últimas duas páginas, percebemos que Quincas, na verdade, é um alienígena espião dos humanos, rindo de todas as cenas aprontadas e todas as teorias absurdas de conspiração, sendo que o verdadeiro espião esteve, sempre, no nariz de todos -- e assim continuaria.
Uma bela homenagem, feita com sagacidade. Se fosse publicado nos Estados Unidos, a aventura hoje seria um best-seller. Em Portugal, porém, foi sorte encontrá-la num alfarrábio. Tinha, inclusive, um pequeno rasgo na contracapa. Mas valeu cada centavo, ainda mais porque a edição está autografada.

20.1.05

La peggior prova, de Adamo Giacomelli (Itália, 1984)

Nem todos os livros de minha coleção são bons. Este livro, por exemplo, é a melhor prova disso. Aliás, vai ser difícil me conter em relação aos trocadilhos com o título deste volume, que versa sobre um perigoso jogo de tênis que pode definir o destino do mundo. Sim, você não leu errado. O fado do planeta está nas mãos completamente inábeis de um jogador amador de tênis e de seu parceiro, num jogo de duplas que acontece, como não podia deixar de ser, em Roma. Os adversários? Dois alienígenas enviados à Terra para decidir a sorte da humanidade contra dois humanos aleatórios. No caso, dois italianos: Bruno e Remo. O jogo é disputado à moda antiga de Wimbledon, ou seja, com sets sem tie-break, decididos com a diferença de dois games mínimos entre cada dupla para se definir um set, num total máximo de cinco sets a serem jogados.
O livro começa com uma conversa entre Bruno e Remo, já na quadra, se aquecendo contra os tais alienígenas. Sim, ação imediata. Parece bom, as primeiras vinte páginas realmente me atraíram, mais pelo assunto inusitado do que pelo estilo do autor, insosso e sem qualquer talento, inclusive com palavras grafadas erroneamente em italiano (que, certamente, não são propositais). O problema maior, no entanto, é que as mais de 400 páginas do volume descrevem, com uma riqueza irritante de detalhes, o jogo e apenas o jogo. Não se tem qualquer informação mundial sobre uma invasão, naves, jugo alienígena, nem mesmo detalhes sobre o público que está acompanhando o jogo. Não se fala nem mesmo se a disputa está sendo transmitida para o mundo em rede global. Nada, apenas e tão somente o jogo, com detalhes obsessivos e, de certo modo, cruéis.
Mas o livro, exaustivo, foi vencido após muitos dias de tentativas. A dupla italiana, é claro, vence o match de forma heróica, no quinto set, após a disputa de 36 games. Há então um longo monólogo de Bruno, glorificando as virtudes do tênis em mais 20 páginas simplesmente dispensáveis. Não que este nobre esporte não mereça tamanha consideração, mas é fato que, numa narrativa que se pretenda interessante, isto é inusitado e poucas vezes funcional. Aliás, torna-se óbvio, pela paixão do discurso e do livro, que Bruno nada mais é do que o próprio Adamo Giacomelli, certamene um jogador (ruim, mas apaixonado) de tênis, provavelmente amador.
Ah, o motivo deste livro, bem impresso e patrocinado por um supermercado, ter o nome que tem? Deve ser porque, após todas as páginas e o discurso da vitória, o livro termine com a singela frase que agora transcrevo: "Ma gli stranieri, la gelosia!, hanno deciso esplodere l'intero pianeta". Assim mesmo, errado assim, ruim assim. Em uma linha apenas, numa frase simplesmente péssima, o autor dá a grande prova para o leitor de que este foi ludibriado com um livro péssimo. E quem lê aprende isso do pior modo, pois, ao final, a vitória já é mesmo de Adamo.

19.1.05

Hitting the hay, de Carlos Widmark (EUA, 1964)

Não gosto muito de falar dos autores estadunidenses, mas, de vez em quando, abro uma exceção. Existem narradores críticos, como Nathaniel West, bem como os beats. E um ou outro novo escritor que pode mesmo se destacar. Aliás, interessante notar como os grandes best sellers atuais em literatura estão mais à Europa. Já repararam? Pois então esqueça isso e concentre-se neste livro, estréia de Carlos Widmark na literatura.
O livro conta a história de Flint, que, a cada um dos 35 pequenos capítulos, começa a ação justamente indo para a cama (o significado da expressão hit the hay é justamente ir para a cama -- dormir, claro). A cada uma destas idas (que, fica claro para o leitor, não significam a passagem de um dia para o outro, pois, por vezes, o espaço é de semanas ou meses), Flint descobre um objeto estranho. Como se vivesse um momento estranho a cada vez que acordasse. Não é apenas o objeto que é estranho: toda a vida de Flint muda completamente a cada despertar. Mais bizarro ainda é que, para o personagem, mecânico de carros, tudo é muito natural. Pegue-se, por exemplo, Martha. No primeiro capítulo, percebe-se que ela é sua noiva, meiga, delicada, uma flor de pessoa, dessas bem raras de se encontrar. Ela desaparece por três capítulos e ressurge no quinto, vil, vingativa, com uma cor de cabelo diferente e pronta a matar o mecânico, se necessário. Neste quinto capítulo não há nenhuma menção sequer do amor dos dois, nem mesmo por parte de Flint. Que também sofre mudanças, inclusive perceptíveis para o leitor: é no capítulo 16 que Flint passa a se chamar Flimt, assim sendo até os quatro últimos trechos do livro, quando seu nome passa a ser grafado do modo original.
Flint percebe, já pelo décimo despertar, que algumas peças que ele encontra (e guarda) se conectam umas às outras. Ele acredita que as peças vão formar algo importante. Mas, como ele age como se tudo estivesse normal a cada capítulo, é muito claro que ele não tenciona resolver mistério algum e nem fazer as coisas tornarem ao normal. Pois tudo é normal para Flint ou Flimt. Tudo caminha para o final sem qualquer evidência de que as coisas vão se encaixar ou se resolver. Mas a problemática acaba confluindo, toda, no capítulo final, na verdade o único deles que não é numerado. Nesta hora descobrimos que tudo o que lêramos até então era completamente verdadeiro e, exatamente aí, residia o paradoxo a ser resolvido. Pois, realmente, a peça faltante se encaixou. E qual o sentido dela? De mostrar que todas as histórias, por mais absurdas que estivessem, estavam ligadas, sim, por um personagem sonso e dissimulado como Flint, que pôde, enfim, perceber a beleza da junção das peças que combinou e pôde, assim, conquistar o seu grande prêmio após este cansativo empenho: ir novamente para a cama.
Um livro cíclico e sem moral, que se utiliza de técnicas vanguardistas para mostrar que nada vale a pena. O niilismo presente é de uma dor aguda para o leitor arguto, que percebe a inutilidade do que acabara de ler e que, no entanto, se conforma com as últimas palavras de Oscar Wilde no fim do prefácio de O retrato de Dorian Gray: "Toda arte é inútil". Para se reler e, então, notar a fina armadilha da construção da rota literária, certamente muito bem urdida. Um dos melhores exemplos de literatura contemporânea nos Estados Unidos. Porém, como acontece em quase todos os livros de minha coleção, Carlos Widmark morreu na mais completa obscuridade. Após o fracasso total de Hitting the Hay, publicado pela Stripress, do Wyoming, ele ainda publicaria, três anos depois, Walking, um volume de contos fantásticos que levou ao seu suicídio, meses após o lançamento. Mas outra crítica específica discutirá este outro volume.

18.1.05

Los 12 secretos del herrero, de Rosenda Mazella (Guatemala, 1971)

Uma das peças mais admiráveis de minha coleção, este é o terceiro dos quatro livros da obscura carreira de Rosenda Mazella, narradora guatemalteca nascida no dia 20 de abril de 1937 na cidade litorânea de Ocós, quase na divisa com o sul do México. De toda a sua bibliografia, este livro é o que menos agradou ao já pequeno público leitor desta costureira de imaginação inventiva. Isto se explica: seus dois primeiros livros, La ventana e Cuando soy amor, eram demasiado românticos e agradavam, em geral, ao público da cidade e a alguns outros, interessados particularmente em romances adocicados. Porém, numa manhã de 1968, tudo mudou para Mazella quando pôde ler, num jornal velho esquecido na praia, sobre os atos de maio daquele mesmo ano na França. Àquela altura, possuía já seus 31 anos e poucas perspectivas de vida, apesar de casada com um conhecido comerciante local. Foi justamente sob os auspícios dele que ela, decidida, resolveu mudar o rumo de sua vida e contar esta pequena história, que podemos considerar uma novela ou um romance curto. Pelas 160 páginas em formato padrão e com tipologias certamente linotipadas (e, por isto mesmo, com compreensíveis erros de impressão), a autora revela um país de, com o perdão do inevitável trocadilho, mazelas e tristeza. Tudo isto concentrado na visão do narrador e personagem central da trama, o ferreiro Alfredo, nome recorrente em sua obra e provavelmente referente ao também escritor guatemalteco Luis Alfredo Arango. E aqui vale um aparte: histórias não confirmadas colhidas por mim em Ocós dão conta de que os dois teriam se conhecido logo após o lançamento de Ventana en la ciudad, livro de 1962 de Arango. Por conta disso mesmo, Mazella teria mantido contato muito estreito com alguns membros do grupo Nuevo Signo, como Délia Quiñónez e Roberto Obregón Morales. O que, definitivamente, não influenciou em sua obra, caso tais contatos tenham mesmo ocorrido.
Em Los 12 secretos del herrero, Alfredo é dono de sua própria ferraria, na qual presta serviços à população local, como colocar ferraduras em cavalos, preparar monogramas para fazendeiros marcarem seus animais ou mesmo soldar uma simples caneca de metal. É soldando uma caneca que ele conhece Isidora, que se torna o grande amor pelo qual passa a lutar. Isidora, porém, é mulher mal falada, tendo passado por vários vilarejos até chegar à cidade de San Lejano. Alfredo não se importa e, para provar o seu amor, diz à amada que suportaria as piores provações, desde que, ao final, ele estivesse com ela. E Isidora, tão apaixonada quanto cruel, resolve confiar ao pobre apaixonado onze segredos terríveis, que envolvem o poder local e também a estrutura nacional. No caminho destes segredos, Isidora se envolve com artistas, políticos, desportistas e uma garota bastarda (filha de um major do exército), personagens que povoam o imáginário cético de um ferreiro cada vez mais envolvido com histórias que não lhe diziam respeito.
Mas não eram doze segredos? Onde está o último? É aqui que, numa virada genial, o ferreiro, após suportar o fardo dos segredos de Isidora, que podem mudar para sempre o destino do povo de seu país, resolve contar a ela o seu segredo: Alfredo, no passado, assassinara uma jovem como Isidora, degolando-a após a noite de núpcias de seu primeiro casamento. A amada do ferreiro poderia suportar tal prova? Ou Alfredo, um senhor na casa dos 50 anos, teria mudado sua vida e se tornado um bom homem, em que ela poderia confiar mesmo após casada?
O livro, que termina com um final amoroso aberto em meio a uma insurgência popular iniciada com a ajuda de Alfredo e Isidora, poderia ser considerado uma obra-prima da literatura latino-americana. Poderia, não fosse a edição distribuída e vendida de forma independente, provavelmente custeada pelo marido comerciante de Rosenda. Os poucos exemplares restantes, provavelmente, jazem em prateleiras de costureiras sem qualquer perspectiva de vida. Como, aliás, não tinha a autora, que, após o fracasso total desta obra, escreveu um quarto volume, intitulado Muerte, com poesias sobre a hora fatal de cada um. No dia seguinte ao lançamento, engoliu alguns anzóis de pesca marítima, suficientes para que ela falecesse com hemorragias internas no dia 7 de novembro de 1972.

17.1.05

A kinky Arismat tale, de Geoff Lyndsay (Austrália, 1987)

Esta coleção de críticas não poderia começar por outro livro. Este exemplar, até onde consegui apurar, o único publicado por Geoff Lyndsay (hoje um corretor de seguros em Brisbane, Austrália -- não confuda com o editor da publicação médica Afasic Abstract, que, inclusive, é publicada na Inglaterra, nada tendo, portanto, a ver com esta crítica) impressiona pela fluidez de sua narrativa, extremamente ágil e vívida. O mesmo tipo de narrativa que o leitor poderia encontrar, anos mais tarde, em volumes de autores como Douglas Coupland e Nick Hornby. Porém, Lyndsay faz questão de ser tanto mais profundo em seus questionamentos como mais bruto, sem que, com isso, perca a veia pop que está incrustada ao longo de seu livro, um volume de 212 páginas editadas pela modesta e provavelmente falida Didjeridoo Press (da qual não obtive mais nenhum livro de seu catálogo, o que me leva a pensar que, talvez, este volume seja o único de sua curta vida). Mas, enfim, ao livro.
Arismat, ao contrário que se possa pensar, não é o nome de uma pessoa, mas, sim, o de uma banda de rock australiana que deseja, a todo custo, chegar ao topo. E que, em 1984, ano em que ocorre a ação do livro, recebe um convite para abrir o show da banda Midnight Oil. A banda é composta por cinco membros, que, como as prostitutas da rua Augusta ou de Montmartre, apenas são conhecidos por um único nome: Rags, Mate, Ulivar, Colin e Powl. E a banda, que aparece unida em torno de um objetivo comum no início da história, se perde em ganância e bizarrice durante o período de um mês que está entre o convite e a data do show.
Ulivar, a despeito do nome estranho, era a pessoa que tentava, a todo custo, manter os membros coesos para a realização do sonho. Infelizmente, o personagem se perde tanto no jogo de concessões e favorecimentos entre os membros que sua mente, aos poucos, não consegue suportar, gerando tal esquizofrenia que, ao final, influirá em sua performance vocal no dia do show. Por exemplo, Ulivar promete dois solos inexistentes a Mate, desde que este engula seco o fato de ter pego Colin transando com seu namorado (chamado Nilmar) em cima do case de sua Fender.
Já Colin, como se nota, é homossexual. Na verdade, ele possui uma namorada, Cinthia, mas apenas para se sentir melhor aceito entre os quatro outros membros, declaradamente heterossexuais. Cinthia e uma suposta fidelidade são os pretextos para que Colin nunca se envolva com mulheres durante os shows do Arismat. Nilmar, como se nota numa detida releitura, sempre está presente, apesar de nunca ser citado claramente pelo autor.
Aliás, falando em obscuridão, Powl é, definitivamente, o membro mais estranho da banda. Tecladista ruim, está na banda por uma concessão de, claro, Ulivar, que argumenta que uma pessoa ruim pode tocar bem e aprender se estiver com outros músicos que sejam bons. O que Ulivar não conta (mas Rags desconfia) é que é o dinheiro que Powl traz à banda, inclusive alugando dias ruins de boas casas da cidade (que, aliás, nunca é citada nominalmente) para que a banda toque e se mostre, que sustenta o Arismat.
O baixista Rags parece ser o mais sensato de todos: desconfia, age seguindo a lógica e não se deixa abater por críticas reles. Até o último momento, suspeita que abrir o show do Midnight Oil é mais uma tramóia de Powl (o que se mostra falso, afinal). Observa e enxerga os jogos de Ulivar, a desesperada tentativa de aceitação de Colin, o egocentrismo de Mate e os acordes dissonantes e irritantes de Powl. E é justamente Rags que, minutos após a entrada do Arismat no palco, tem uma reação intempestiva, que acaba resultando no final da banda, que a crítica (produzida antes do início do show, numa denúncia a críticos musicais australianos que nunca compareciam aos shows e detonavam ou glorificavam diversas bandas novas, apenas por esporte) apontaria, no jornal do dia seguinte, como a próxima grande revelação do país para a música mundial.
O livro não tem exatamente um bom acabamento, tendo sido impresso num papel de qualidade ruim e com capa em apenas duas cores (amarelo e preto). Algumas páginas estavam soltas no exemplar que adquiri. O vendedor ambulante que me ofertou o exemplar me disse que era um grande exemplo do que a literatura australiana deveria ter se tornado, se os editores tivessem uma grande visão. Mas, em minha opinião, é um livro apenas pouco melhor que o razoável. Mas vale, principalmente pela cena final de Rags, sob o olhar atônito do gigante Peter Garrett, que, é claro, não possui espaço no livro para sequer uma frase politicamente correta.